Intro

A Holanda é um lugar interessante por natureza.

A despeito de uma condição geográfica desfavorável – boa parte de suas terras está abaixo do nível do mar – a localização estratégica das principais cidades holandesas fez com que ainda na Idade Média o país se tornasse um dos principais entrepostos comerciais da Europa. Como conseqüência, o intercâmbio necessário ao funcionamento de um centro de trocas internacional favoreceu o florescimento de uma cultura cosmopolita, prolífica e bastante diversificada.

Receptiva às diversas influências européias, a Holanda desenvolveu uma vocação natural às artes e ao comércio, o que fez com que o design – uma atividade pautada pelo encontro dessas duas áreas – encontrasse nos países-baixos um terreno extremamente fértil para seu desenvolvimento.

selo sobre basquete criado por Marte Rösling, 1978.

Ao longo do século XX, o design holandês passou a ser visto como uma ferramenta de negócios fundamental aos diversos ramos de atividade empresarial do país, sendo largamente valorizado por instituições públicas e privadas. De maneira continuada, governantes e empresários investiram pesadamente na formação e no fortalecimento do mercado interno - o que tornou o país um dos grandes centros de referência do design internacional.

Um interessante reflexo dessa estratégia pode ser percebido nos selos postais holandeses, cuja função nunca foi apenas validar a remessa de cartas e encomendas, mas fazer circular pelo mundo um portifólio de projetos de design que primam por qualidade, criatividade, ousadia e bom gosto.

Desde a década de 30, a empresa responsável pelos serviços postais (atual TNT Post) vem trabalhando com grandes nomes do design gráfico mundial na criação de seus produtos. Designers, ilustradores e artistas como Piet Zwart, Ootje Oxenaar, Wim Crouwel, Gert Dumbar, Gerrit Noordzij, Van Krimpen, Peter Bilak, Irma Boom, Karel Martens entre outros, já deixaram suas marcas na filatelia dos países-baixos.

selo postal holandês, coletivo DEPT, 1997.

Mais que um hobby, podemos compreender a coleção de selos holandeses como uma extensa pesquisa em design gráfico, onde estão registrados quase 150 anos de tradição e inovação. A galeria de imagens apresentadas é apenas um convite: há muito mais por ver no design filatélico holandês.

Bom passeio!

Karel Appel

Nascido em Amsterdam no ano de 1921, Karel Appel deixou sua marca no mundo como pintor, artista gráfico, designer, escultor, compositor e poeta. Formado em 1944 pela Academia Real de Belas Artes, ainda em 1948 foi co-fundador de um grupo de jovens artistas experimentais holandeses. A proposta do grupo era romper com o construtivismo europeu dominante, abordando a condição humana no lugar da abstração pictórica. Encabeçado por Appel, Constant e Corneille, o grupo tornou-se internacional com a aproximação de artistas belgas e dinamarqueses como Asger Jorn, dando origem ao coletivo CoBrA (acrônimo de Copenhagen Bruxelas Amsterdam).

Em 1950 Appel muda-se para Paris e passa a expor na capital francesa, junto a artistas como Pollock, Dubuffet e DeKooningin, integrando o grupo Art Informel. Nesse período aproxima-se de poetas e escultores, e realiza obras comissionadas em diversos países. Trabalhando com arquitetos em ambientes públicos e privados, amplia sua experimentação material utilizando técnicas de cerâmica, vidro em relevo, concreto e chumbo.

Na década de 60 divide seu tempo entre Roma e Paris, e passa a integrar objetos a suas pinturas. No começo da década de 70 amplia seu horizonte artístico criando composições musicais junto a Chet Baker, Merrill Snaders e outros músicos norte-americanos. Na década seguinte, trabalha com o escritor José Arquelles e o poeta Allen Ginsberg na criação de uma série de pinturas e poesias visuais que posteriormente fizeram parte da mostra ‘On the Road’, baseada no clássico livro de Jack Kerouac.

Na pintura de cores vibrantes de Appel, o tema mais significativo de sua iconografia pessoal sempre foi a arte folk, mas paisagens também tiveram grande destaque no seu repertório criativo. Por esse motivo, em 1987 recebe a tarefa de produzir para a Opera de Paris o ballet ‘Can We Dance a Landscape?’ em parceria com o dançarino e coreógrafo japonês Min Tanaka.

Pela dimensão de seu trabalho, Karel Appel foi homenageado algumas vezes em emissões postais comemorativas pelo mundo. E por uma interessante coincidência do destino, o último trabalho de Appel foi justamente um selo postal, criado apenas um mês antes de sua morte em maio de 2006. O selo não possui nenhuma legenda tipográfica e apresenta uma ilustração criada especialmente para o projeto.

1. selo criado por Appel para o correio holandês, 2006.

2. desenhos nervosos de Appel, 1989 e 1951.

3. personagens coloridos em pinturas de 1950 e 1948.

4. selo postal homenageando os 50 anos do movimento CoBrA, 1988.

5. experimentando materiais: esculturas criadas em 1949 e 50.

6. Hip, Hip, Hooray! pintura de Karel Appel, 1949.

Joost Swarte

Joost Swarte é um premiado cartunista, ilustrador e designer holandês nascido em 1947 na cidade de Heemstede. Formado na Academia de Design de Eindhoven no início dos anos 70, ainda estudante lançou sua própria revista de quadrinhos, a Modern Papier. Na década seguinte, enquanto diversos trabalhos seus já circulavam por revistas européias, foi apresentado ao público norte-americano com a publicação de suas tiras na revista Raw, do editor e artista underground Art Spiegelman.

Fortemente influenciado pelos quadrinhos do cartunista belga Hergé (autor da série Tintin) Swarte desenvolveu um trabalho igualmente marcante, caracterizado por um traço simples e bem definido que chamaria de clear line. Seus principais personagens incluem diversos alter egos seus, como Anton Makassar, Jopo de Pojo e Pierre Van Ganderen - além dos tradicionais mascotes Katoen e Pinbal. O estilo de Swarte é complementado por referências históricas do período art déco e por um trabalho primoroso na criação de letras feitas à mão. Nos últimos anos, algumas de suas criações foram convertidas em fontes digitais pelo designer de tipos Nick Curtis da distribuidora Nick Fonts (Joost A Gigolo, Modern Art e Boeuf Au Joost, entre outras).

Atualmente, Swarte contribui com regularidade para as revistas New Yorker, Humo, Vrij Nederland e Abitare, criando o design das capas e ilustrações internas. Durante os anos 90 seu trabalho ficou mais conhecido no Brasil, quando a Folha de São Paulo publicou diariamente sua tira ‘Assim não. Assim sim!’. Em 1992 ajudou a criar o evento internacional de quadrinhos Stripdagen, realizado a cada dois anos na cidade de Haarlem. Nesta mesma cidade em 1996, o cartunista arriscou-se na arquitetura projetando junto ao escritório Mecanoo o teatro Toneelschuur, baseado no estilo típico de suas ilustrações.

Ao longo dos últimos anos, Joost também criou diversos selos para a empresa PTT, sempre com um design alegre, criativo e inovador.

1. Mondrian e Le Corbusier em ilustrações de Swarte, 1984.

2. série de selos criados por Swarte para o correio holandês, 1984.

3. Boeuf au Joost: tipografia digital criada por Nick Curtis, 2003.

4. capa e ilustrações para a revista New Yorker, 2007.

5. selo postal criado por Swarte: funciona em qualquer posição, 1991.

6. tirinha ilustrada publicada na Folha de São Paulo, 1991.

7. o traço limpo de Joost ganha o espaço: teatro Toneelschuur, 1996.